segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

sacrifico a minha alma aos deuses da apatía
Eles cospem-na de volta e contemplam-me:
Sabem que eu não lhes devo nada.
-Tu não estás apático
Dizem-me em palavras calmas com o zumbir estático, firme e calmo do Universo

Eu pensava que esta minha letargia se apelidava apatía, sentia-me no direito de a partilhar com as entidades que são o Todo e o não-Todo. Mas descobri, por vía desta negação dos que Tudo-Nada são, que o poder de apatizar a alma não pertence ao domínio humano. A apatía rejeita o sentir e eu, enquanto alminha espantada, petulante e propulsionadora de movimento, deslizo em cristas de espuma salgada cristalina de sentimento, ondas do meu fulgor ridiculamente dramático. Logo, como Eles me disseram, não estou apático. Apático está o carvalho centenário que come das mesmas raízes o mesmo chão que comeu há incontáveis gerações de pessoazinhas atrás. Assim como o Siddartha incólume que, silente, proclama o ohmmm, eterno criador e destruidor de tudo o que conhecemos e é incognoscível. 
Isso é apatía. O que eu sentía era antipatia transparente e indireccionada. Ela tomou vários vectores como orientação quando se sentia desnorteada, porém, quando se tornou flácida e sem cor, era em mim que convergía.

Entretanto percebi que não merecía esta antipatía de mim para mim.
Finalmente aceito o que não fiz e o que deixei por dizer.
Acordei suado de noites que não dormi e vi o Cosmos ondular ao ritmo alucinante do meu pensamento histérico e até esotérico. Agora acredito em espíritos porque vi o meu, feio, disforme e sem perdão de mim próprio. E consegui dar-lhe uma palmadinha afectuosa nas costas. Nesse instante ele abriu o sorriso que estava guardado sabe-se lá pra quem. Trocámos carinho e até partilhávamos gargalhadas companheiras.
-Achei que te tinha perdido! - disse-me ele aliviado - Agora que me viste assim, feio e abandonado, sabes que não me dilúo em ninguém. Vou estar sempre aqui quando me tentares dar a alguém, vou estar aqui quando voltares a chorar, a escarnecer-te e a tremer de medo, vou estar aqui quando a tua massa corporal estiver debaixo da crosta planetária que hoje pisas.
-Peço apenas que não te deixes de tolerar, pois se há objecto possível do teu perdão és TU, massa egotérica, que se espanta e e encanta, canta e exerce pressão gravitacional no mundo das forças físicas existentes. Eu fiquei feio porque te descuidaste. Agora que me viste espero que retenhas a noção de que não tenho abandono possível. A minha beleza perdura para além do ver e sentir, do catalogável e compreensível, mas só se tirares as mãos da testa erguidas em queixume e lástima é que ela se manifesta.

Eu absorvi estas palavras, que ressoam agora como cantos gregorianos atrás do meu pescoço. O meu espírito e eu dançamos agora ao ritmo tribal extasiante do meu coração, com congas e pratos estridentes que não destoam o canto gregoriano. Antes pelo contrário, estes dois paradoxos musicais completam-se numa apertada união íntima de fogo e água que reagem e se anulam e constroem e destroem e são um Todo sublime e supremo que atravessa espaço e tempo.

E quando os deuses da apatía me viram a dançar viram que aprendi a lição.
-Tem muito para aprender, mas esta lição já ninguém lha tira . - comentaram entre si, meio que divertidos em amena cavaqueira.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Esta morte do ser que é ter medo de ser, de não ser, ser demais ou a menos. Este definhar da alma que não agita nem morre, não adiciona nem dissolve. Este correr sem estrada, descalço sem chão para pisar ou preso sem trela para desafogar.
Abrasam-me chamas neutras da cor da cal e sinto mármore no tórax, tão pouco rosa quanto a minha indolência. Nem o fumo que faço é denso, apesar dos meus pulmões chiarem como um comboio a vapor. O meu coração palpita por pena do resto dos órgãos e as terminações nervosas do meu cérebro jogam ao peixinho sentadas em cadeiras frágeis do caruncho. A bicheza apodera-se de mim. A bicheza sou eu.
Olho para a televisão desligada e vejo um filme de memórias imaginadas. E que romântico... As minhas memórias são putas solitárias e prostituem-se baratinhas. Dão tudo o que têm num acto de amor lânguido e fogosamente abnegado em troca de cinco paus de atenção e meio cafuné.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Monstro repelente
Castanho e de suas jubas dono.
Bela de olhos aveludados,
Também Bela mas sem sono.

Vistos uma e outra vez
Num sofá velho e roído.
Ah, quantas vezes revistos...
De fim feliz e meio sofrido.

Escafandro imóvel
Baba-se por todo o lado.
Paira à sua volta reluzente
Um bicho psicadélico alado.

O cepo continua sem se mexer,
Borbulha em si um cometa.
Arde todo por dentro
E incendeia a borboleta

India semi-nua
Que faz erguer a masculinidade
De um colono aloirado...
Outro amor sem possibilidade.

Se eu quisesse por acaso
Descrever todos os amores que me passaram pelos olhos
Não dormia hoje nem amanhã
E dos meus dedos restariam folhos

Já vi incriminar um homem
Por deflagrar uma mulher sem intenção de a amar
Ainda não foi sentenciada a pena
E por aí continua ele a vitimar.

Julgo pois, do meu confortável assento
Posicionado de frente para estes crimes
Que o pior deles todos é o meu,
Pois tudo o que sei de amor vi em filmes.

Agente da passiva
É como gosto de me intitular...
De tanto que já vi, se ver é crer
Creio que ainda hei-de amar.

Sem precisar espaço ou tempo,
Universo ou Dimensão.
Hei-de saltar sem olhar para baixo,
Hei-de rasgar o freio que tenho no coração.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Sinto-me a estancar, a perder a reacção. O reflexo que me manda tentar ser feliz tem tanta força quanto uma pedra da calçada. Apesar de pisado, aguenta com tudo em cima sem gritar, agitar-se, abrir uma fenda no chão ou no espaço. Nem sequer treme. Heroicamente ainda lá está para me servir de suporte, assim como as pedras da calçada.
É assim a vida, o anoitecer é que nos tem nas unhas, ele é que nos há-de juntar. Se não nos juntar há sempre o dia em que o Sol bate no sentido certo e faz a pedra da calçada estalar e inaugurar um rasgo na superfície terrestre. Aí o reflexo romperá por mim a dentro e a aurora boreal há-de se encandear comigo e contigo e com a nossa luminosidade astronómica.
Há sempre o dia em que o Sol bate no sentido certo.... Se a nossa história ainda não foi escrita no tecto do mundo é por minha culpa e tua, ninguém nos iliba. De qualquer das formas, o Sol bate no sentido certo quando a janelas estão abertas.
            mesmo se não estiverem, HÁ SEMPRE O DIA EM QUE O SOL BATE NO SENTIDO CERTO    (apetecia-me escrever isto mais 5 ou 6 vezes)

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A minha cabeça já te escreveu
Tantas cartas de amor,
Tantas declarações de devoção total,
Tantos romances ficticiamente perfeitos....

Sinto-me absurdo quando me lembro
Que nunca te disse nada,
Que me passaste ao lado quando lia,
Relia, flamejava com sangue a tinta que escorria,
E  escrevia.....

Era um livro por acabar
Porque não se consegue acabar,
Por nossa história não ter
Um fim compatível com a efemeridade
Dum rastilho de vida a arder.

Posto isto,
A única coisa que realmente
Me afoga e turva a mente
É o facto de não te ver.
De resto, passas os dias comigo.

sexta-feira, 17 de maio de 2013


Às vezes parte-se-me a cabeça ao meio e jogo-me à doença que tenho em mim. Queria tanto cortar as partes da minha consciência que me dizem que provoco este mal a mim mesmo mas cortá-las não as eliminava por completo. Aliás, é daquelas doenças a que a ciência chama degenerativas e a poesia chama docemente indeléveis.
Dizer que a doença é um estado de espírito com ar condescendente é por vezes demonstrar temeridade de frente a um rochedo pronto para abater-se em cima do referido doente. Dizê-lo é também agressivo para com a integridade emocional da doença em si, elas não gostam de ser rebaixadas a esse ponto. Afinal de contas por vezes as doenças também têm sentimentos. Esta minha não tem sentimentos porque não passa disso, um sentimento.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Na viagem estática
De ontem à noite
Quis apagar-me da realidade,
Já que durante o dia sou cobarde...

A noite sabe quando estou perdido
E quando estou escondido.
Ela sabe sempre,
Porque vive em mim e eu vivo nela.

Nunca me fez sentido
Saber de crianças com medo da noite,
Porque ela criou-me e criou-te,
Minha fantasia de alma dispersa.

O lascivo breu que chega,
Atropelando o ingénuo clarão,
É meu amigo.
Nele não encontro o meu umbigo

No escuro não há um eu
Porque se não nos vemos não existimos,
Afinal de contas a liberdade é uma não-existência
E uma ponte de cordas para a demência...

Mas eu confortei-me nesta noite
Com o braço não-existente que me aconchega.
Enquanto espero a Luz, espero a sorte,
Esperando a morte