quarta-feira, 21 de novembro de 2012


As razões para o que faço estão marcadas em risquinhos que me enfeitam a alma, aos quais chamam cicatrizes. Também não sei como é que abriram nem como fecharam, por isso não vale a pena perguntares-te porquê. Se calhar muitas delas nunca chegaram a abrir; está tudo na minha cabeça, explica-lo exigiria muitas horas queimadas, muito cigarro digestivo e todo um reboliço que nem a um poste de luz interessa.
Imagine-se que toda a gente tinha uma tal cicatriz na língua.
“tão man, como é que fizeste isso?”, perguntaria eu a cada pessoa que passasse por mim. “pá, lambi uma faca” e eu perguntava logo “epa mas tu és estupido ou que???doeu muito???” “ya, as dores foram horríveis, mas a parte boa, quando é boa, é meeeeeeesmo mesmo boa”
E pronto, lá lambi a faca e, sem chegar à parte boa esvaí-me em sangue e juízo, tudo directamente para a massa pastosa do esgoto. Fiquei um bocado danificado, visto que morri. Mas ao menos ao morrer senti aquela dorzinha que as pessoas diziam que sentiam quando lambiam a laminazinha cinzenta, o gume atraentemente fatal e cortador de línguas curiosas. Depois quando acordei da minha falência e turvação de sentidos percebi que afinal de contas só queria mesmo é que me doesse como doía aos outros, queria penar para saber qual é o gosto do meu próprio sangue; afinal de contas toda a gente já sabia como é que doía, e eu ia ficando à espera que alguém chegasse ao pé de mim e me dissesse: “anda lá, trouxe-te uma faca, cortemo-nos ao mesmo tempo, bebamos os dois do mesmo vinho que tanto de sabor a mel tem como de ferrugem, e que nos vai embriagar num baile tão intenso quanto a própria vida” E depois de cansada de bailar, com alguma sorte, eu ficava a ver-te dormir

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