quinta-feira, 27 de dezembro de 2012


Quando é que se libertam
Os presos da consciência,
Os pregos na inteligência,
Os peçonhentos bichos
Que me roem por dentro?

Sou roído gradualmente
Parece que planearam,
Uniram-se e atacaram,
Cresceram devagar e fluíram
Pelo meu sangue e mente.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012


Entro na sala do café
E o fumo espiralado lambe-me a solidão,
Ela desaparece e perguntam por mim,
Querem saber de mim!

Respondo sempre bem
E que está sempre tudo bem,
Que o dinheiro vai e vem
E que tenho saúde de ferro.

De quando em vez dizem
Que tenho ar apático e aéreo,
Até me perguntam “o que se passa?”
Só me ocorre que o tempo não passa.

Só não me vejo correr
Atrás do que me sinto querer,
Só o que não quero é que galopa para mim
Só estou só, e não vejo o fim.

domingo, 2 de dezembro de 2012


Somos felizes por reacção
Química, explosiva e nuclear,
Atómica, voraz e lunar.
Em jeito de resumo, por um erro.

Se sou feliz é porque me engano,
Me enganei ou me enganaram.
Foi um equivoco que os espelhos nos criaram,
Porque o erro é o núcleo da felicidade.

Se vais a correr tropeça,
Hás-de te afogar até aprenderes a nadar
Grita até te doer a falta de ar,
As estrelas estão desalinhadas por alguma razão

E por mero acaso
Quando o nevoeiro se deita
Não passa a vida que é perfeita,
Não passa o erro, cobarde e ferido.

terça-feira, 27 de novembro de 2012


Ter como mapa
Imagens rudes e rascunhos
Torna difícil o caminho,
Adiar é sempre mais fácil.
          (e por adiar definho)

Respirar é assustador
Quando o ar é perfume
De mofo e papel a arder,
Estufa-se o sentir e a consciência.
        (e no espelho vejo-me a tremer)

Cruzo-me com sombras e reflexos
E não me reconheço em nenhum
Porque nada reflecte a explosão,
Cada pensamento é dinamite.
        (e morro novo de indecisão)

quarta-feira, 21 de novembro de 2012


As razões para o que faço estão marcadas em risquinhos que me enfeitam a alma, aos quais chamam cicatrizes. Também não sei como é que abriram nem como fecharam, por isso não vale a pena perguntares-te porquê. Se calhar muitas delas nunca chegaram a abrir; está tudo na minha cabeça, explica-lo exigiria muitas horas queimadas, muito cigarro digestivo e todo um reboliço que nem a um poste de luz interessa.
Imagine-se que toda a gente tinha uma tal cicatriz na língua.
“tão man, como é que fizeste isso?”, perguntaria eu a cada pessoa que passasse por mim. “pá, lambi uma faca” e eu perguntava logo “epa mas tu és estupido ou que???doeu muito???” “ya, as dores foram horríveis, mas a parte boa, quando é boa, é meeeeeeesmo mesmo boa”
E pronto, lá lambi a faca e, sem chegar à parte boa esvaí-me em sangue e juízo, tudo directamente para a massa pastosa do esgoto. Fiquei um bocado danificado, visto que morri. Mas ao menos ao morrer senti aquela dorzinha que as pessoas diziam que sentiam quando lambiam a laminazinha cinzenta, o gume atraentemente fatal e cortador de línguas curiosas. Depois quando acordei da minha falência e turvação de sentidos percebi que afinal de contas só queria mesmo é que me doesse como doía aos outros, queria penar para saber qual é o gosto do meu próprio sangue; afinal de contas toda a gente já sabia como é que doía, e eu ia ficando à espera que alguém chegasse ao pé de mim e me dissesse: “anda lá, trouxe-te uma faca, cortemo-nos ao mesmo tempo, bebamos os dois do mesmo vinho que tanto de sabor a mel tem como de ferrugem, e que nos vai embriagar num baile tão intenso quanto a própria vida” E depois de cansada de bailar, com alguma sorte, eu ficava a ver-te dormir

Mar fulgurante, não se vê
Aonde tocas o céu, és intransigente.
Rindo, remo em ti, e rapidamente,
Inebriado,
Adormeço a chorar um fado.

Mar ilusório e celestial,
A bom porto não me levas, eu sei,
Rastejo para terras sem lei.
Gritar não me vale de muito,
Alheou-se-me o fortuito
Rareia-se-me o ar.
Isto de ser velejador,
De velejar pr’álem do torpor…
Ao menos no mar-alto posso cantar.

Trinta mil vezes
A sonhar já te atravessei.
Para mal da minha alma
Acordei.
De olhar em volta, iludido
As lagrimas caiam-me dos olhos,
Sem nunca te ter, tinha-te perdido.

Chorar sei que de nada me há-de valer
Ainda que me limpe a alma de dor.
Rosto ensopado por amor,
Dentro tem a alma a arder.
O tempo já não o vejo a correr,
Se velejar for sempre assim
O mar vai-se afogar em mim

quinta-feira, 15 de novembro de 2012


Sem pegar fogo
Esfumo-me por dentro,
A alma entra em lenta combustão,
Tenho cinzas no coração.

No lugar da chama
Tenho uma furna em mim,
Das minhas feridas sai poeira,
Uma dor que não é verdadeira.

Boto álcool na labareda
Quero a alma a arder,
A chuva esbate e escorre,
E vida sem calor morre.

As cinzas no coração
Já não voltam a incandescer,
São pó que leva o vento,
E o espírito rasteja, lento.

terça-feira, 30 de outubro de 2012


Querer ser alguém,
Querer ser de alguém,
Querer fazer bem,
Querer fazer o bem.

Nunca somos nada
Nunca somos de ninguém
Ter ilusões é o princípio da estrada
Que não está iluminada.
Afinal de contas, somos quem?

Querer é poder tentar,
Mas há também que querer tentar,
Sem querer queremos demasiado,
Tentamos passar ao lado
E deixamos de querer poder tentar.

Remorsos, ressacas, ressentimentos
Quando nos apercebemos
Que no ponto mais alto do ser
Falhámos na vida os momentos.

Ser um só, é possível?! Somos inevitavelmente multifacetados?! Somos um decorrer de estrada, mudamos cada vez que vemos uma curva e a estrada da vida é infinita em sinuosidades. Tomamos consciência disso e acabamos por ser uma multidão colorida, corrompida e indefinida. Azuis em dias mudos, egoístas em anos atrozes e desfocados a vida inteira.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012


Torpe zumbindo.
Não se ouvem as folhas a dançar
Nem o correr fluido
Da chuva a cair e a embalar
Os bebés e os ressequidos
Que de noite vagueiam na sua cela
Sussurram e ressonam cansados
Depois da euforia.

Perseguir movimentos
E ter o olhar da gente,
No coração puros rebentos
Quem é assim não mente.
Quem é assim não joga mesquinho
Na sociedade nem no berço,
Vagueiam na cela da vida
Uns no fim outros no começo.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012


Sendo incerto,
Cheguei perto
De lugar nenhum.
Em sítios errados,
Sonhos foram apedrejados
Não sobrou nem um.
Não agarrei nem consegui,
Queria tanto mas estremeci
Adormeci na vala comum.

A vertigem era grande,
E o ar cortante
Tresandava medo.
Nunca mais sonho,
O real é medonho
O real é degredo.
A cirrose saiu a ganhar,
Não de álcool mas de amar
Tardiamente morri cedo.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Larguei os últimos suspiros
Assim que a tua voz,
Rasgou cristais e espuma.
Mergulhei, estamos sós,
Eu, tu, água e bruma.
Com sede d'eternidade, bebi o oceano.

Escondes-te na concha
Menos timida do mar,
Que beija o Sol durante o dia
E se deita com o quarto lunar.
Sem saber que perdia,
Desafoguei o abraço à vida.

E assim me levaste pra tua casa.
Não fizeste café,
Não nos saboreámos.
Assentei em ti a minha fé
Ingénua, e girámos,
Como o casal duma viúva.

Sufoquei, há mais água
Em mim que vida.
Morria e afogava feliz.
Nadas à minha volta, fluída
E eu adormeço como sempre quiz.
Com a tua canção na cabeça.


quarta-feira, 10 de outubro de 2012


Doem-me as costas,
Estou com o pé dormente
E escarro sangue e pó.
Queixo-me
Para que alguém oiça
Vire a cara e diga:
Está tudo bem,
Amanhã vai ser melhor.

Mas não é.

Todos nós, encavacados.
Os burros são roubados
Os espertos são furtados.
E eu deito-me na calçada
Respiro os seus calhaus,
Do chão já não passo.
Ao menos o chão do Paço
Até é relativamente limpinho.

Mas não é

O chão lá não vê sonhos
Nem poemas
Nem coisa nenhuma.
Lá o chão vê sebo,
Poças duvidosas e asquerosas
E poetas deitados,
Roubados e amarrados
Ofegantes e queixosos,

Como eu.

terça-feira, 9 de outubro de 2012


Duvidemos da cor da iris
De cada um de nós,
Somos piores que camaleões.
Rezemos a Osíris
Até ficar sem voz,
Derrubaremos portões.
Estalemos o verniz
Bebamos o ácido atroz,
Que não vem de limões.
É apenas bílis
Que acalma esta sede feroz,
Mas não a cirrose de paixões.
Limparemos a merda que fiz
Pois já não há eu, somos nós,
Somos rebanho, ocos que nem melões

sábado, 15 de setembro de 2012


Zarpar
Perder de vista a cela
Não reter o pensamento
Renegar.

Zarpava
Tirava os meus sonhos da tela
Sem hesitar um momento
Renegava.

Zarparia
Se conseguisse apagar a vela
Que apaga-la não consegue o vento
Renegaria.

Zarparei
Assim que aprender a fala
Dos que tendo tecto dormem ao relento
Renegarei.

Zarpo
Choro por esta terra, não vou mais pisá-la
Não me contenho, também não tento
Renego.

Zarpei
O meu espírito entrou na caravela
Que me há-de levar à esperança e ao tormento
Reneguei.

Sórdida, mas sempre altiva
Marca-me com ferro em brasa.
Corta-se ás fatias
Quando lhe apetece.
Queria marcá-la também
Para ver se está viva.

Gostava de apagar uma beata
Naquele corpo pálido.
Nunca chego lá
Nem que salte até mais não.
Fico à espera, na treva
E vejo-a partir vestida de prata.

Exilaram-na lá no alto
Para mandar calar os grilos.
Acabaram enfeitiçados
Os pobres bichos.
Agora não param de cantar, tresloucados
Ao céu cor-de-asfalto.

Não pensas no que estás a fazer
Quando apareces, incandescente.
Tiras o encanto a Vénus
E roubas o escuro à noite.
Sou um grilo sem voz,
Só me deito ao amanhecer

quinta-feira, 19 de julho de 2012


Arde ardiloso
Em languidas labaredas,
Fugazmente fogoso,
O tronco trépido
Num transe trémulo.

Puxando pungentemente
Grito eu, grotesco,
Ao Sol que me queima,
À chuva que me apaga
E ao sal que se esfrega nas minhas feridas

Ao fim de puxar, polido e brilhante,
Engulo tudo de uma vez:
O Sol
A chuva
E o sal.
Engulo peixes sem cuspir espinhas,
Sinto-os a nadar cá dentro.
Estou inchado, enorme
Já nenhum mundo cabe em mim.
Estou sem Fado, disforme
Já acabei, mas não cheguei ao fim.

terça-feira, 8 de maio de 2012

o chuvisco,
arisco,
não serve de isco
a um pisco
que passa a vida
sem correr um risco.

e o Sol
corre à caracol
de casca mole,
e rende carcanhol
a uma mulherzinha perdida
c'o vende ao pé do farol

sadia,
vende maresia.
apregoa o Sol de cada dia ,
que dá calor e alumia
"olha a geada, ainda agora caída"
grita, viva, a velha maria