terça-feira, 27 de novembro de 2012


Ter como mapa
Imagens rudes e rascunhos
Torna difícil o caminho,
Adiar é sempre mais fácil.
          (e por adiar definho)

Respirar é assustador
Quando o ar é perfume
De mofo e papel a arder,
Estufa-se o sentir e a consciência.
        (e no espelho vejo-me a tremer)

Cruzo-me com sombras e reflexos
E não me reconheço em nenhum
Porque nada reflecte a explosão,
Cada pensamento é dinamite.
        (e morro novo de indecisão)

quarta-feira, 21 de novembro de 2012


As razões para o que faço estão marcadas em risquinhos que me enfeitam a alma, aos quais chamam cicatrizes. Também não sei como é que abriram nem como fecharam, por isso não vale a pena perguntares-te porquê. Se calhar muitas delas nunca chegaram a abrir; está tudo na minha cabeça, explica-lo exigiria muitas horas queimadas, muito cigarro digestivo e todo um reboliço que nem a um poste de luz interessa.
Imagine-se que toda a gente tinha uma tal cicatriz na língua.
“tão man, como é que fizeste isso?”, perguntaria eu a cada pessoa que passasse por mim. “pá, lambi uma faca” e eu perguntava logo “epa mas tu és estupido ou que???doeu muito???” “ya, as dores foram horríveis, mas a parte boa, quando é boa, é meeeeeeesmo mesmo boa”
E pronto, lá lambi a faca e, sem chegar à parte boa esvaí-me em sangue e juízo, tudo directamente para a massa pastosa do esgoto. Fiquei um bocado danificado, visto que morri. Mas ao menos ao morrer senti aquela dorzinha que as pessoas diziam que sentiam quando lambiam a laminazinha cinzenta, o gume atraentemente fatal e cortador de línguas curiosas. Depois quando acordei da minha falência e turvação de sentidos percebi que afinal de contas só queria mesmo é que me doesse como doía aos outros, queria penar para saber qual é o gosto do meu próprio sangue; afinal de contas toda a gente já sabia como é que doía, e eu ia ficando à espera que alguém chegasse ao pé de mim e me dissesse: “anda lá, trouxe-te uma faca, cortemo-nos ao mesmo tempo, bebamos os dois do mesmo vinho que tanto de sabor a mel tem como de ferrugem, e que nos vai embriagar num baile tão intenso quanto a própria vida” E depois de cansada de bailar, com alguma sorte, eu ficava a ver-te dormir

Mar fulgurante, não se vê
Aonde tocas o céu, és intransigente.
Rindo, remo em ti, e rapidamente,
Inebriado,
Adormeço a chorar um fado.

Mar ilusório e celestial,
A bom porto não me levas, eu sei,
Rastejo para terras sem lei.
Gritar não me vale de muito,
Alheou-se-me o fortuito
Rareia-se-me o ar.
Isto de ser velejador,
De velejar pr’álem do torpor…
Ao menos no mar-alto posso cantar.

Trinta mil vezes
A sonhar já te atravessei.
Para mal da minha alma
Acordei.
De olhar em volta, iludido
As lagrimas caiam-me dos olhos,
Sem nunca te ter, tinha-te perdido.

Chorar sei que de nada me há-de valer
Ainda que me limpe a alma de dor.
Rosto ensopado por amor,
Dentro tem a alma a arder.
O tempo já não o vejo a correr,
Se velejar for sempre assim
O mar vai-se afogar em mim

quinta-feira, 15 de novembro de 2012


Sem pegar fogo
Esfumo-me por dentro,
A alma entra em lenta combustão,
Tenho cinzas no coração.

No lugar da chama
Tenho uma furna em mim,
Das minhas feridas sai poeira,
Uma dor que não é verdadeira.

Boto álcool na labareda
Quero a alma a arder,
A chuva esbate e escorre,
E vida sem calor morre.

As cinzas no coração
Já não voltam a incandescer,
São pó que leva o vento,
E o espírito rasteja, lento.